ABRE O OLHO / QUEM TEM, TEM MEDO

por Jacques Fux

La Tosca Inc.
3 min readJul 17, 2021

Os escritores — tanto os de esquerda quanto os de direita — estavam perplexos por terem de fato realizado o ato, e não somente concebido a ideia escrita. Diante do cadáver putrefato do presidente, não sabiam como agir. Incorreram em intertextualidades e subversões, em busca do prazer e do gozo artístico da liberdade, então cerceada pela visão do poder:

“ — Você está vendo o olho?

— E daí?

— É um ovo — disse ela, com toda simplicidade.

Insisti, perturbado:

— Onde você quer chegar?

— Quero me divertir com ele.

— E o que mais?

Levantando-se, ela parecia incendiar-se (estava, então, terrivelmente nua).

— Escute, Sir Edmond, quero que você me dê o olho já, arranque-o.

Sir Edmond não estremeceu, tirou uma tesoura da carteira, ajoelhou-se, recortou as carnes, depois enfiou os de- dos na órbita e extraiu o olho, cortando os ligamentos estica- dos. Colocou o pequeno globo branco na mão de minha amiga.

Ela contemplou a extravagância, visivelmente constrangida, mas sem qualquer hesitação. Acariciando as pernas, fez o olho escorregar por elas. A carícia do olho sobre a pele é de uma doçura extrema… com algo de horrível como o grito do galo!

Simone, entretanto, divertia-se, fazendo o olho escorregar na rachadura da bunda. Deitou-se, levantou as pernas e o cu. Tentou imobilizar o olho contraindo as nádegas, mas ele saltou — como um caroço entre os dedos — e caiu em cima da barriga do morto.

O inglês tinha-me despido.

Joguei-me sobre a moça e sua vulva engoliu meu pau. Eu a fodi: o inglês fez o olho rolar entre nossos corpos.

— Enfie-o no meu cu — gritou Simone.

Sir Edmond enfiou o olho na fenda e empurrou.”

Diante da obra, do crime, do enfrentamento à ordem e aos discursos de poder e lugar de fala — e da beleza da omissão do olho –, Bataille e os escritores comparsas se viram em completo frenesi e alento. Eles se tornaram parte da própria ficção, se perceberam protagonistas reais e atuantes das histórias que antes apenas inventavam, e constataram na escatologia literária a transfiguração final, total e a libertação última de qualquer censura. ☠

JACQUES FUX, mineiro de BH, publicou Literatura e Matemática: Jorge Luis Borges, Georges Perec e o OULIPO (Perspectiva), Prêmio CAPES, Antiterapias (Scriptum), Prêmio São Paulo de Literatura, e Meshugá: Um Romance sobre a Loucura (José Olympio), Prêmio Manaus de Literatura.

A convite da La Tosca, 28 artistas brasileiros (escritores e cartunistas) escreveram obituários com as diferentes causas mortis de Jair Messias Bolsonaro. A publicação, em formato tabloide, foi organizada pelo escritor Ronaldo Bressane e teve apoio e impressão da Editora Reformatório. As mortes foram criadas por: Sérgio Sant’Anna, Mari Casalecchi, Noemi Jaffe, Edyr Augusto, Allan Sieber, Micheliny Verunschk, Nathalie Lourenço, Fred Melo Paiva, Santiago Nazarian, Marcelo Nocelli, Douglas Diegues, Rafael Campos Rocha, Leonardo Villa-Forte, Eduardo Kerges, Zé Maia, Nathasha Felix, Carlos Henrique Schroeder, Marcelo Ariel, Nelson de Oliveira, Christian Carvalho Cruz, Cristina Judar, Jacques Fux, Ian Uviedo, Simone Campos, Vicente Vilardaga , João Paulo Cuenca.

Para comprar: https://latosca.com.br/morre-bolsonaro

P.S.: Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.

--

--